Art. 618 do Código Civil de 2002 e art. 1.245 do CC de 1916: conceito de solidez e segurança no âmbito do STJ
13 de junho de 2025, 18h19
Após diversos debates o Superior Tribunal de Justiça consolidou uma série de entendimentos sobre o alcance do conceito de “solidez e segurança” presente no artigo 618 do Código Civil vigente [1], anteriormente disposto no artigo 1.245 do Código Civil de 1916 [2]. Tal conceito, inicialmente associado a riscos de desabamento e ruína de construções, foi sendo progressivamente ampliado para abranger outros aspectos relacionados à funcionalidade e ao uso das edificações.

O entendimento atual é que a expressão “solidez e segurança” não se restringe à integridade estrutural da obra, mas também abarca sua funcionalidade e adequação ao uso para os fins projetados. Isso inclui, por exemplo, a garantia de salubridade e habitabilidade, estendendo-se a reparos em instalações elétricas, hidráulicas e outros elementos essenciais para a utilização da edificação de forma segura e confortável. A jurisprudência, portanto, reflete a necessidade de adaptar o conceito às exigências modernas de qualidade e uso das construções.
Conforme decidido no REsp n° 1.172.331/RJ [3], o prazo de garantia de cinco anos previsto no artigo 1.245 do Código Civil de 1916 (correspondente ao artigo 618 do Código Civil de 2002) aplica-se aos casos de ameaça efetiva à “solidez e segurança do imóvel”. Esse conceito é interpretado de forma ampla, abrangendo as condições de habitabilidade da edificação. Nesse sentido, defeitos graves que afetem a salubridade ou a funcionalidade do imóvel, como infiltrações e vazamentos, também estão contemplados.
Na empreitada mista, o empreiteiro é responsável pela solidez e segurança da obra em edifícios ou construções de grande porte, considerando tanto a qualidade do material utilizado quanto as condições do solo. Essa responsabilidade subsiste pelo prazo de cinco anos após a entrega da obra. [4]
Condições normais de habitabilidade e salubridade
De acordo com o mencionado na obra de Nancy Andrighi, Sidnei Beneti e Vera Andrighi, a jurisprudência vem ampliando o conceito de “solidez e segurança”, responsabilizando o empreiteiro quando a obra não se mostra adequada aos fins a que se destina. Para os mesmos, “é inseguro o edifício que não proporcione a seus moradores condições normais de habitabilidade e salubridade. Consideram-se defeitos graves as infiltrações, vazamentos e demais vícios que comprometem a salubridade da moradia, não apenas os riscos de ruína”. [5]
Outro precedente relevante, o REsp n° 706.424/SP [6], destacou que o artigo 1.245 do Código Civil de 1916 não limita a responsabilidade do empreiteiro a defeitos que causem a ruína da construção. O dispositivo também abrange aqueles que tornam a edificação inadequada para os fins a que se destina. Nesse contexto, uma construção que não oferece condições normais de habitabilidade e salubridade é considerada insegura.

O REsp n° 178.817/MG [7] reforçou que a expressão “solidez e segurança” deve ser interpretada em sentido abrangente, não limitando a responsabilidade do empreiteiro apenas às hipóteses de risco iminente de desmoronamento. Essa interpretação é essencial para assegurar a proteção dos direitos dos consumidores e usuários de imóveis e construções.
Riscos de desabamento ou ruína
Outro julgado significativo, o AgRg. no Ag n° 37.056/SP [8], esclareceu que a garantia prevista no artigo 1.245 do Código Civil de 1916 cobre os defeitos que representem riscos de desabamento ou ruína, mas não inclui aspectos menores, como diferenças no tamanho de vagas de estacionamento, vazamentos superficiais, defeitos no revestimento e trincas superficiais. Essa distinção busca delimitar a aplicação do dispositivo apenas a defeitos que comprometam a estrutura ou a funcionalidade essencial da obra.
O AgRg no REsp n° 399.701/PR [9] destacou que a “solidez e segurança” não se limita ao risco de desmoronamento do prédio. A construtora é responsável também por defeitos que comprometam a funcionalidade futura do empreendimento, tais como rachaduras e infiltrações.
O Superior Tribunal de Justiça, em precedentes consistentes, tem reafirmado que esses defeitos, embora não representem um risco imediato à integridade estrutural, comprometem a qualidade e a funcionalidade do imóvel, afetando sua utilização pelos moradores.
No REsp n° 46.568/SP [10], o Superior Tribunal de Justiça rejeitou a interpretação restritiva da expressão “solidez e segurança”. O tribunal considerou que defeitos que impeçam a boa habitabilidade do prédio, como infiltrações de água e vazamentos, estão igualmente abrangidos pelo conceito. Assim, o dispositivo visa proteger o adquirente da obra contra vícios que comprometam sua funcionalidade e conforto, e não apenas contra falhas catastróficas que ponham em risco a vida ou a integridade física dos usuários.
Responsabilidade de empreiteira por cinco anos
No julgamento do AREsp n° 2.778.796/DF [11], o Superior Tribunal de Justiça enfatizou que a responsabilidade de empreiteiras e construtoras em obras de grande extensão não se encerra com a entrega do resultado contratado. Pelo contrário, essa responsabilidade subsiste por cinco anos no que diz respeito aos vícios que comprometam a solidez e segurança da obra. Isso inclui falhas decorrentes do uso de materiais inadequados ou de problemas relacionados ao solo.
O avanço jurisprudencial na interpretação do conceito de “solidez e segurança” reflete uma visão mais abrangente e alinhada às expectativas dos consumidores e usuários de edificações. A ampliação do conceito para incluir aspectos de habitabilidade e funcionalidade assegura maior proteção aos adquirentes e reforça a responsabilidade dos empreiteiros e construtoras. Assim, defeitos graves que comprometam a salubridade ou a utilização do imóvel estão sujeitos às garantias previstas no artigo 618 do Código Civil, reafirmando o compromisso da jurisprudência com a segurança e o bem-estar dos usuários de imóveis e edificações.
[1] Artigo 618: Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo.
[2] Artigo 1245: Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo, exceto, quanto a este, se, não achando firme, preveniu em tempo o dono da obra.
[3] Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.172.331/RJ, Relator Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe: 01/10/2013.
[4] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais, 22 ed., São Paulo, Saraiva, 2006, vol. 3, p. 401. Apud ANDRIGHI, Nancy; BENETI, Sidnei; ANDRIGHI, Vera. Comentários ao novo Código Civil: das várias espécies de contratos: do empréstimo, da prestação de serviço, da empreitada, do depósito (arts. 579 a 652). Coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2008. v. 9, p. 314.
[5] ANDRIGHI, Nancy; BENETI, Sidnei; ANDRIGHI, Vera. Comentários ao novo Código Civil: das várias espécies de contratos: do empréstimo, da prestação de serviço, da empreitada, do depósito (arts. 579 a 652). Coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2008. v. 9, p. 314.
[6] Superior Tribunal de Justiça, REsp 706.424/SP, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, DJ: 07/11/2005.
[7] Superior Tribunal de Justiça, REsp 178.817/MG, Relator Ministro Eduardo Ribeiro, Terceira Turma, DJ: 03/04/2000.
[8] Superior Tribunal de Justiça, AgRg no Ag 37.056/SP, Relator Ministro Salvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, DJ: 24/10/1994.
[9] Superior Tribunal de Justiça, AgRg no REsp 399.701/PR, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, DJ: 09/05/2005.
[10] Superior Tribunal de Justiça, REsp 46.568/SP, Relator Ministro Ari Pargendler, Terceira Turma, DJ: 01/07/1999.
[11] Superior Tribunal de Justiça, AREsp 2.778.796/DF, Relator Ministro Marco Buzzi, Decisão Monocrática, DJEN: 03/12/2024.
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