Opinião

Contratos eletrônicos atendem aos avanços da sociedade da informação

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14 de junho de 2025, 13h29

A sociedade da informação não é mais uma promessa futura. É o presente que molda, em tempo real, as relações sociais, econômicas e jurídicas. No direito, essa realidade impõe uma virada de chave: práticas historicamente formais e conservadoras agora convivem com tecnologias disruptivas que reconfiguram a própria noção de validade jurídica. Nesse contexto, a desmaterialização documental e a virtualização das relações negociais impõem aos operadores jurídicos uma compreensão atualizada sobre a formação e execução dos negócios jurídicos no meio eletrônico, onde a forma assume novos contornos e a vontade a a se manifestar por diferentes meios digitais.

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homem revisando contrato no computador

Vivencia-se, atualmente, uma realidade em que a informação, tratada por meio de tecnologias avançadas, assume papel central. O fenômeno da digitalização, aliado ao uso massivo de dados — considerados o “novo petróleo” da economia digital — impulsiona a chamada business intelligence, influenciando diretamente a forma como os contratos são concebidos, pactuados e geridos. Nesse cenário, destaca-se a importância do compliance digital contratual, uma vez que a formalização e a execução de contratos eletrônicos devem observar não apenas os requisitos previstos na legislação civil, mas também os princípios e regras atinentes à proteção de dados pessoais, segurança cibernética e prevenção de fraudes digitais.

Diante desse contexto, surgem importantes discussões jurídicas sobre a validade, a segurança e a confiabilidade dos contratos celebrados por meios eletrônicos. Tais questionamentos são especialmente relevantes no setor financeiro, em que operações digitais vêm substituindo com celeridade os procedimentos tradicionais, exigindo do ordenamento jurídico e da jurisprudência uma resposta clara quanto à sua eficácia jurídica e à proteção das partes envolvidas.

Características da validade contratual

Sob a ótica da doutrina, como leciona Nelson Rosenvald, os contratos eletrônicos não demandam regime jurídico próprio, devendo ser interpretados à luz da teoria contratual clássica, adaptada ao meio digital (ROSENVALD; FARIAS, 2022). Assim, a validade contratual deve ser examinada sob os três planos tradicionais: existência, validade e eficácia.

Com efeito, a doutrina majoritária e o ordenamento jurídico brasileiro reafirmam que a análise da validade de um contrato — seja físico ou eletrônico — deve ar por três planos clássicos: o da existência (partes, vontade, objeto e forma); o da validade (capacidade, licitude, possibilidade e forma não vedadas); e o da eficácia (produção de efeitos jurídicos). A inovação tecnológica, portanto, não cria uma nova estrutura, mas exige nova leitura da forma como esses elementos se manifestam digitalmente.

Sob o prisma da autonomia privada, é plenamente legítimo que as partes, no exercício de sua liberdade contratual, pactuem condições e formas de manifestação de vontade adequadas ao meio eletrônico, desde que respeitados os limites impostos pela legislação vigente e pelos princípios gerais do direito.

Plataformas seguras e rastreáveis

No âmbito das contratações eletrônicas, é pacífico o entendimento de que estas são plenamente válidas, desde que realizadas por meio de plataformas seguras, rastreáveis e dotadas de mecanismos que assegurem a autenticidade, a integridade e a veracidade do ato jurídico. O direito brasileiro, por sua vez, não impõe distinções entre contratos físicos e eletrônicos quanto à sua validade, bastando a observância dos requisitos legais supracitados. Cabe ressaltar, contudo, a necessidade de atenção às modalidades de eletrônica empregadas, pois, embora todas sejam itidas, a robustez probatória de cada tipo de pode variar. Assim, é recomendável, em operações de maior vulto ou risco, a utilização de s qualificadas ou avançadas, que conferem presunção legal de veracidade e autenticidade.

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A ausência de física ou papel impresso não implica, por si só, nulidade ou insegurança jurídica. O que efetivamente importa é a identificação inequívoca da vontade das partes, garantida por meios tecnológicos auditáveis e legalmente reconhecidos. Essa compreensão, aliás, já está sedimentada tanto na doutrina quanto na jurisprudência.

Importante destacar que a rastreabilidade e a trilha de auditoria digital são elementos essenciais para atestar a regularidade do consentimento eletrônico, sendo recomendável que as partes mantenham registros detalhados de logs de o, endereços IP, geolocalização e outros dados de autenticação para eventual comprovação futura.

Proteção do Código Civil

O ordenamento jurídico brasileiro contempla um arcabouço normativo consistente que assegura a validade dos contratos firmados por meio eletrônico. Os artigos 104 a 107 do Código Civil estabelecem os requisitos gerais de validade dos contratos, aplicáveis indistintamente aos contratos, sejam eles físicos ou eletrônicos. O que se exige é a manifestação de vontade livre e consciente, revestida da forma legal.

Cumpre observar, ainda, o disposto no artigo 225 do Código Civil, que equipara o documento eletrônico ao documento escrito para fins de validade e eficácia probatória, desde que garantida sua autenticidade e integridade. Esse dispositivo, embora anterior à era digital moderna, é frequentemente invocado na jurisprudência para reforçar a issibilidade e a eficácia dos contratos digitais.

A Medida Provisória nº 2.200-2/2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (I-Brasil), e a Lei nº 14.063/2020, que disciplina o uso das s eletrônicas, classificam-nas em simples, avançada e qualificada, cada qual com graus distintos de segurança e exigibilidade jurídica. Em contratações empresariais e financeiras de maior valor ou complexidade, recomenda-se, como boa prática contratual, o uso de s avançadas ou qualificadas, uma vez que estas, conforme previsto no artigo 10, §1º, da MP nº 2.200-2/2001, gozam de presunção legal de autenticidade e integridade, o que fortalece a segurança jurídica das relações contratuais:

“As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica, produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela I-Brasil, presumem-se verdadeiros em relação aos signatários.”

Validade sem testemunhas

No plano processual, o artigo 784, inciso III, do Código de Processo Civil reconhece a força executiva de documentos eletrônicos sem exigir a de testemunhas, desde que seja possível comprovar sua autoria e integridade. Tal entendimento tem sido reiteradamente confirmado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Vale mencionar que, em sede de execução, a comprovação da integridade e da autoria do contrato eletrônico pode se dar por perícia técnica em arquivos digitais, verificação de trilhas de auditoria e validação de certificados digitais, recursos esses plenamente itidos pelos tribunais.

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018 – LGPD) também desempenha papel fundamental nas contratações digitais. Em seu artigo 8º, §4º, a norma determina que o consentimento deve ser específico, informado e destacado, afastando manifestações genéricas e garantindo maior segurança às partes contratantes. No âmbito contratual, isso implica o dever do fornecedor de serviços digitais de apresentar cláusulas claras sobre o tratamento de dados pessoais e coletar consentimento específico para operações não vinculadas diretamente à execução do contrato, sob pena de nulidade ou responsabilização civil e istrativa.

A contratação eletrônica no setor bancário

No âmbito bancário, a digitalização das operações contratuais é uma realidade consolidada. Instituições financeiras têm adotado ferramentas de autenticação multifatoriais, como uso de senhas, biometria, tokens, geolocalização e cartões com chip, com o objetivo de assegurar a identidade do contratante e proteger a integridade da operação. A esse respeito, a Resolução CMN nº 4.893/2021 disciplina a contratação de operações de crédito por meio eletrônico, exigindo das instituições financeiras a adoção de procedimentos e controles para garantir a autenticidade, integridade e segurança das contratações digitais.

Essas práticas estão em consonância com as normativas do Banco Central do Brasil e têm sido reconhecidas pelos tribunais como válidas, desde que os procedimentos observem os critérios legais de transparência, clareza e segurança jurídica.

A jurisprudência pátria tem sinalizado de forma clara a validade dos contratos eletrônicos bancários, especialmente nos casos em que se comprova a regularidade do procedimento de contratação e a ausência de vícios de consentimento. Destaca-se, nesse sentido, o entendimento firmado pela 21ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar a Apelação Cível nº 1004145-63.2024.8.26.0189. Na ocasião, o colegiado estabeleceu a seguinte tese:

“A contratação eletrônica, devidamente comprovada, é válida e não enseja inexigibilidade do débito. A responsabilidade objetiva das instituições financeiras não invalida negócios jurídicos regularmente celebrados.” (TJSP, Rel. Des. Miguel Petroni Neto, j. 09 abr. 2025)

Essa orientação reafirma que, desde que seja demonstrada a autenticidade do procedimento eletrônico, por meio de tecnologias como a biometria facial, eletrônica ou certificação digital, o contrato eletrônico possui plena eficácia jurídica.

Princípio da boa-fé

Ademais, o princípio da boa-fé objetiva, consagrado no artigo 422 do Código Civil, atua como importante diretriz para a interpretação e execução dos contratos digitais, impondo às instituições financeiras deveres anexos de informação, lealdade e transparência, cujo descumprimento pode ensejar a responsabilização civil, independentemente da forma contratual.

A consolidação dos contratos eletrônicos não apenas atende às exigências da era digital. Ela projeta o direito para um novo patamar de funcionalidade, segurança e eficiência. A resistência à validade de negócios jurídicos firmados digitalmente, com base apenas na ausência de formalidades físicas, além de juridicamente infundada, representa um retrocesso. O desafio atual não está mais na aceitação jurídica desses instrumentos, mas na sua adequada implementação técnica e jurídica, garantindo que sejam formalizados de modo seguro, transparente e compatível com as exigências legais e regulamentares.

Cabe aos operadores do direito — juízes, advogados, reguladores — atuar como agentes de transição, assegurando que as ferramentas digitais estejam a serviço da autonomia privada, da segurança jurídica e da confiança nas relações. É fundamental, nesse sentido, o permanente diálogo entre Direito, tecnologia e sociedade, para que os avanços digitais sejam incorporados ao ambiente jurídico com segurança, eficiência e respeito aos direitos fundamentais das partes contratantes.

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