Recuperação extrajudicial: possível solução ao produtor rural com dívidas nos atos cooperados
13 de junho de 2025, 6h34
No último mês de maio, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão unânime nos recursos especiais nº 2.091.441 e nº 2.110.361, reforçando o entendimento de que os créditos oriundos de atos cooperados não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial. O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, destacou que “o ato de concessão de crédito realizado entre a cooperativa de crédito e seu associado está dentro dos objetivos sociais da cooperativa, devendo ser considerado como ato cooperativo e, portanto, não sujeito aos efeitos da recuperação judicial”.

Esta decisão, baseada no parágrafo 13 do artigo 6º da Lei 11.101/2005 (incluído pela Lei 14.112/20), consolida juridicamente a exclusão dos atos cooperados da recuperação judicial. Contudo, surge uma questão jurídica relevante: se estes créditos não podem ser incluídos na recuperação judicial, poderiam ser objeto de recuperação extrajudicial? Esta indagação ganha especial relevância diante do cenário de crise enfrentado pelo agronegócio brasileiro.
A crise do setor agrícola tem tomado os noticiários do país. As recuperações judiciais no agronegócio brasileiro bateram recorde em 2024, com crescimento de 138% na comparação com o ano anterior, totalizando 1.272 solicitações, de acordo com dados da Serasa Experian. O impulso nos pedidos veio principalmente de produtores rurais pessoa física, com alta próxima de 350% na comparação anual, para 566 solicitações.
O cenário continua preocupante em 2025. De acordo com a Serasa, no primeiro trimestre de 2025, houve um aumento de 38% no número de pedidos de recuperação judicial de agentes do setor agroindustrial em comparação com o mesmo período do ano anterior, demonstrando que a crise no setor persiste e se aprofunda.
O ano de 2024 foi marcado por diversos fatores que impactaram a saúde financeira dos produtores e proprietários rurais, principalmente aqueles que estavam mais alavancados. A alta da taxa de juros, aliada ao aumento dos custos de produção com insumos agrícolas — que ficaram mais caros devido à inflação e à desvalorização cambial —, foram alguns dos desafios principais e, para além disso, houve o agravante das adversidades climáticas.
O ano de 2024 foi marcado por uma histórica quebra da safra de grãos, que afetou inclusive produtores de Mato Grosso, após uma colheita recorde de soja e milho em 2023. Estes fatores explicam o crescimento exponencial nos pedidos de recuperação judicial no setor.
Talvez um dos maiores obstáculos da atualidade para o produtor rural em dificuldades financeiras que busca sua reestruturação seja a exclusão de diversos créditos dos procedimentos recuperacionais, destacadamente os créditos decorrentes de atos cooperados e Rs física.
Os atos cooperados representam as operações realizadas entre a cooperativa e seus associados, constituindo a essência da atividade cooperativa. Esses atos envolvem desde o fornecimento de insumos até a comercialização da produção, ando por serviços de assistência técnica, armazenagem e beneficiamento, criando vínculos creditícios específicos entre cooperativa e produtor rural.
A legislação cooperativista brasileira estabelece um regime jurídico especial para estas operações, reconhecendo sua natureza diferenciada em relação às operações comerciais comuns, o que tem gerado discussões sobre sua submissão aos procedimentos recuperacionais.
Como mencionado na introdução, com o advento da Lei nº 14.112/20, foi incluído o parágrafo 13 no artigo 6º da Lei 11.101/2005, estabelecendo que “não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial os contratos e obrigações decorrentes dos atos cooperativos praticados pelas sociedades cooperativas com seus cooperados”. Esta norma, recentemente confirmada pela decisão unânime do STJ, afasta expressamente os créditos de atos cooperados da recuperação judicial.
O fundamento dessa exclusão baseia-se na natureza especial da relação cooperativa e na proteção ao sistema cooperativista nacional, reconhecendo que os atos cooperados representam a base do sistema mutualista e não se confundem com operações de crédito tradicionais.
Desvirtuamento
Embora a decisão do Superior Tribunal de Justiça tenha consolidado o entendimento sobre a exclusão dos atos cooperados da recuperação judicial, é importante tecer algumas considerações críticas sobre a aplicação generalizada desta regra. A realidade do mercado tem demonstrado um crescente desvirtuamento do ato cooperado, especialmente por cooperativas de crédito que, na prática, emprestam dinheiro com taxas e condições similares às praticadas pelas instituições financeiras tradicionais.

A definição do que efetivamente constitui um ato cooperado no caso concreto representa uma linha muito tênue, que deveria ser analisada individualmente em cada situação. Nem toda operação realizada entre cooperativa e cooperado necessariamente se enquadra na proteção legal dos atos cooperados, especialmente quando se observa que algumas cooperativas têm atuado de forma indistinta das demais instituições do sistema financeiro nacional.
Esta realidade sugere que cada caso deveria ser analisado minuciosamente, verificando-se se a operação em questão efetivamente observa os princípios cooperativistas ou se configura mera operação comercial travestida de ato cooperado. A aplicação automática da exclusão, sem essa análise casuística, pode gerar distorções e beneficiar operações que, em essência, não possuem a natureza cooperativa protegida pela legislação.
Portanto, cabe ao julgador, no caso concreto, analisar se o negócio jurídico entre a cooperativa e o cooperado é de fato ato cooperado, não bastando aplicar a letra fria da lei. Esta análise substancial é fundamental para preservar a essência do instituto e evitar que a proteção legal seja utilizada de forma indevida.
Ocorre que nada dispôs o legislador sobre a submissão dos créditos de atos cooperados à recuperação extrajudicial, já que tanto o parágrafo 13 do artigo 6º da Lei 11.101/2005 quanto a decisão do STJ tratam especificamente da não submissão à recuperação judicial. Por este motivo, seguindo o mesmo raciocínio aplicado pelo Superior Tribunal de Justiça quanto à interpretação literal e específica da norma, entendemos que os aludidos créditos estão sujeitos à recuperação extrajudicial.
Por isso, a recuperação extrajudicial poderá ser uma alternativa eficaz para o produtor rural em dificuldade econômico-financeira que possui muitas operações atreladas a créditos decorrentes de atos cooperados.
A recuperação extrajudicial, apesar de não ser tão famosa e ganhar os holofotes como sua “irmã”, a recuperação judicial, é um importante instrumento de reestruturação empresarial.
Assim como a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial está prevista na Lei nº 11.101/05 (Lei de Falência e Recuperação de Empresas), tratando-se ambas de instrumentos para a recuperação de empresas e mais recentemente para o produtor rural.
A recuperação extrajudicial ou “recuperação branca” como alguns a chamam, é um acordo privado, entre devedor e credor. É uma proposta de recuperação apresentada pela empresa para um ou mais credores, fora da esfera judicial. Pode ser proposta em qualquer condição, a qualquer credor, desde que não haja impedimento legal.
A lei permite que o empresário em crise econômico-financeira possa propor e negociar um plano de recuperação diretamente com os credores. Nessa oportunidade, novos prazos e valores poderão ser estabelecidos a fim de verificar viabilidade ao contínuo da atividade empresarial.
Dentre os meios de recuperação que poderão ser utilizados estão o deságio da dívida, carência, parcelamentos, alteração dos encargos contratuais, taxa de juros, além dos demais previstos no art. 50 da lei de recuperação.
Alternativa relevante
Optando o produtor rural pela recuperação extrajudicial, os créditos vinculados a atos cooperados deverão ser classificados conforme sua natureza específica, considerando que nas operações cooperativas frequentemente são dados em garantia bens e direitos relacionados à atividade rural, podendo configurar garantias reais.
Haja vista a submissão dos créditos de atos cooperados à recuperação extrajudicial, os bens e direitos dados em garantia deverão ser liberados para comercialização para que o produtor rural possa ter liquidez para manter sua operação e pagar os compromissos assumidos com a aprovação do plano de recuperação.
Em tempos de crise, a recuperação extrajudicial é uma alternativa que ganha relevância na reestruturação empresarial levando em conta sua celeridade e o baixo custo comparado à provocação jurisdicional, e ainda ajuda a evitar a judicialização de parte dos conflitos decorrentes da crise, sem falar que no insucesso da recuperação extrajudicial poderá ser proposto na sequência pedido de recuperação judicial.
É importante o produtor ter em mente que sua demora na busca de remédios para mitigar ou solucionar os efeitos da crise poderá resultar no não alcance dos efeitos pretendidos, que é a recuperação de sua atividade. A recuperação extrajudicial poderá ser um poderoso aliado no combate à crise das empresas, mas desde que proposta no momento certo (timing).
Se a exclusão dos créditos de atos cooperados se refere especificamente à recuperação judicial, não há impedimento legal para sua inclusão na recuperação extrajudicial.
Esta interpretação oferece ao produtor rural endividado com cooperativas uma ferramenta eficaz de reestruturação, permitindo a negociação direta com as cooperativas credoras e a manutenção da atividade produtiva, essencial tanto para o produtor quanto para o sistema cooperativista nacional.
A recuperação extrajudicial surge, assim, como instrumento de harmonização entre a proteção aos interesses cooperativistas e a necessidade de reestruturação do produtor rural em crise, promovendo soluções equilibradas e sustentáveis para ambas as partes.
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