Perda de bens de delatores sem condenação definitiva viola a legalidade, diz Gilmar
9 de abril de 2025, 19h42
O Plenário do Supremo Tribunal Federal reiniciou nesta quarta-feira (9/4) o julgamento de um conjunto de recursos apresentados por ex-executivos da Odebrecht que discutem o momento em que deve ser aplicada a perda dos bens e valores prevista em acordos de colaboração premiada.

Gilmar disse que MP não pode antecipar cumprimento de pena em delação
São seis recursos contra decisões do relator, ministro Edson Fachin, que determinaram a perda dos bens de delatores da finada “lava jato” sem o trânsito em julgado de sentença condenatória. Entre os ativos havia quantias depositadas em contas no exterior, imóveis e obras de arte. Os itens foram listados em acordos celebrados com o Ministério Público Federal e homologados pela então presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, em 2017.
Na sessão desta quarta, Fachin votou para manter sua decisão anterior e validar o perdimento dos bens após a homologação judicial da delação, mesmo sem decisão final. O decano do STF, ministro Gilmar Mendes, abriu a divergência, considerando inconstitucional a antecipação dos efeitos penais sem decisão transitada em julgado. O ministro Dias Toffoli seguiu Gilmar. O julgamento prosseguirá na sessão desta quinta (10/4).
Os acordos não estabelecem em que momento deve ocorrer o perdimento de bens e valores. A discussão começou após Fachin atender a pedido da Procuradoria-Geral da República e executar a penalidade. As defesas recorreram, afirmando que a renúncia a bens e valores deve ocorrer apenas depois de eventual condenação criminal e após o trânsito em julgado. Os recursos em julgamento foram apresentados entre 2019 e 2021 e tramitam em sigilo.
Perdimento de bens
A pena de perdimento de bens foi adotada nos acordos de colaboração premiada fechados pelos ex-executivos da Odebrecht com o MPF. A medida está prevista na Lei da Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1998), que estabelece a perda, em favor da União ou dos estados, de todos os bens, direitos e valores relacionados, direta ou indiretamente, à prática de crimes.
Os recursos estavam sendo discutidos em sessões virtuais do Plenário, entre 2022 e fevereiro deste ano. Porém, um pedido de destaque do ministro Dias Toffoli enviou a análise para julgamento presencial. Até então, Fachin era acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino e pela ministra Cármen Lúcia, que votaram para rejeitar os recursos e manter a perda imediata dos bens.
Gilmar abriu divergência, acompanhado de Toffoli. Eles votaram para impedir o cumprimento da pena de perdimento de bens antes do trânsito em julgado da condenação. O ministro Cristiano Zanin se declarou impedido de participar do julgamento. Com o destaque, os votos foram zerados e podem ser mantidos ou reapresentados na discussão presencial.
Punição válida
Para Fachin, não é possível concluir que a cláusula do acordo de colaboração premiada que estabelece a perda de bens deveria ser postergada até a sentença de condenação. Segundo o ministro, os acordos foram devidamente homologados e, por isso, não têm qualquer irregularidade. Assim, os deveres pactuados devem ser cumpridos pelos colaboradores.
Segundo o relator, a Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013) ite o perdão judicial e permite que o Ministério Público deixe de oferecer denúncia contra delatores em certos casos. Assim, avaliou ele, condicionar o perdimento de bens ao trânsito em julgado “contradiz os próprios fundamentos da colaboração premiada, cujo propósito é trazer eficácia à recuperação de ativos ilícitos e à obtenção de informações essenciais ao desmonte das organizações criminosas”.
Fachin afirmou que, após a homologação do acordo, não cabe ao Judiciário qualquer ingerência sobre os termos e a extensão dos benefícios negociados. O ministro ressaltou que, só nos processos que estão sob sua relatoria no âmbito da “lava jato” no STF, foram recuperados mais de R$ 2 bilhões, entre multas e perdimentos.
“Portanto, o perdimento imediato dos bens, baseado na confissão e nos elementos apresentados pelo colaborador, não apenas se alinha com a lógica da colaboração premiada como também evita a permanência de ativos ilícitos nas mãos de envolvidos, resguardando o interesse público.”
Cláusula inconstitucional
Gilmar Mendes, por outro lado, destacou que há elementos que permitem questionar a voluntariedade dos investigados ao fechar os acordos. Ele citou irregularidades durante a “lava jato”, como o conluio entre o então juiz Sérgio Moro e integrantes do Ministério Público Federal revelado pela “operação spoofing”.
O decano do Supremo ressaltou que as cláusulas de acordos de colaboração premiada não são firmadas por livre vontade dos acusados, pois a liberdade deles está em jogo.
“O que se pretende ressaltar com base nessas duas primeiras advertências é que quando uma das partes negocia a sua liberdade e os seus bens em um contexto de ameaça de prisão ou de submissão a sanções penais de natureza grave, nunca há uma posição de plena igualdade entre acusação e defesa na celebração do negócio jurídico, razão pela qual deve-se ter cuidado com a utilização de uma lógica excessivamente civilista ou de plena e irrestrita liberdade contratual em um pacto que envolve o exercício do direito de punir.”
Gilmar também disse que determinar a perda de bens sem denúncia ou condenação seria como cruzar a “última fronteira que nos separa do Estado de Direito para o Estado policial”. Ele citou que a maior parte dos ex-executivos em questão não foi condenada. A denúncia contra um deles foi rejeitada, contra outro foi recebida e há um terceiro caso em fase de recurso.
De acordo com o magistrado, a cláusula que estabelece a perda de bens imediata configura violação à legalidade que decorre da pactuação do cumprimento antecipado dessa punição. Isso porque não há respaldo legal ou constitucional para a imposição de tal medida, nem um modelo de ampla discricionariedade no Brasil, no estilo do plea bargaining dos EUA.
O ministro ainda apontou que a execução imediata das sanções de perda de bens desrespeita os limites estabelecidos pelos princípios do devido processo legal, da presunção de inocência e da individualização da pena (artigo 5º, XLVI, LIV e LVII, da Constituição).
Além disso, disse Gilmar, a medida contraria disposições da Lei das Organizações Criminosas que exigem a instauração de um processo, a produção de provas externas e autônomas de corroboração e a condenação definitiva dos colaboradores, com a avaliação da validade, da eficácia e da aplicação dos benefícios pactuados nos acordos em sede de sentença, antes que se possa exigir o efetivo cumprimento das sanções pactuadas.
“Em verdade, a aplicação das garantias fundamentais do processo aos acordos de colaboração premiada busca ressignificar este instituto e resgatá-lo de um contexto em que foi utilizado para a prática de um incontável número de arbitrariedades”, pontuou Gilmar.
“Este resgate permitirá, a meu ver, que tais acordos cumpram a sua função de servir para a obtenção de provas, para o esclarecimento de fatos de interesse público e para o julgamento efetivo e em prazo razoável de crimes graves, com a aplicação das penas corporais ou patrimoniais cabíveis e o ressarcimento de prejuízos financeiros, sem se converter, em si mesmo, em um instrumento de injustiça e de uso abusivo e expansivo da força”. Com informações da assessoria de imprensa do STF.
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Pets 6.455, 6.477, 6.487, 6.490, 6.491 e 6.517
*Texto alterado à 0h do dia 10/4/2025 para correção de informações.
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